quarta-feira, fevereiro 23, 2005

O último romântico



"Era o último encontro, mas eu não sabia. A derradeira vez que eu via aquele homem doente ('eu estou a ver muito mal, não vale a pena mostrar-me isso, não vejo, não consigo ver') que durante quase trinta anos me fez sempre partir com percipitação e os sentidos alerta para um segundo andar da avenida António Sérgio e, depois, para um gabinete descarnado e nu da rua Soeiro Pereira Gomes. Um homem envelhecido que agora sorria mais tristemente, agarrado à sua 'convicção' ('sim, a convicção foi e é, fundamentemente, o segredo da resistência e dos combates').
E se eu disser a palavra 'derrota'?, perguntei-lhe subitamente naquele dia, mas quase a medo, diante do gravador ainda ligado (e detestando-me por selar aquela longa conversa com a única palavra que afinal lhe cabia por inteiro):
Uma derrota... 'amarga', Dr. Cunhal?
'Amarga é uma palavra muito pequenina para o que foi'", in Conversas com Álvaro Cunhal e outras lembranças, Maria João Avillez (descrição de entrevista de 11 de Março de 2000).